terça-feira, 7 de julho de 2015

Aprendendo a Ler Partitura (Parte 2)

 

Esta postagem tem como objetivo fornecer os fundamentos mínimos para a leitura de partituras musicais. Não tem nenhum bicho de sete cabeças, apenas uma visão geral do que pode aparecer de relevante numa partitura musical. Aparentemente um pouco mais complexa do que a parte 1, mas imensamente importante, e é claro, estudar sempre!

A Leitura de notas numa partitura

Uma  pauta  (stave,  em  inglês)  é  constituída  por  um  conjunto  de  4  espaços delimitados por 5 linhas equidistantes cuja função é a identificação das notas (sons). A cada espaço ou linha corresponderá apenas a uma nota. Além destas linhas principais existem as linhas suplementares que só são utilizadas se existirem notas cuja localização seja fora das 5 linhas principais. Essas linhas não são totalmente desenhadas, apenas o suficiente para se perceber qual a localização exata da nota.
O conjunto de linhas e espaços, por si só não tem qualquer significado, é necessário existir uma linha ou espaço que sirva de referência. Assim, surge a clave (clef), uma espécie de “chave” indicando a localização de uma nota (note) e, por relatividade, das restantes.
As claves mais comuns são as seguintes:



As claves de Sol e de Fá são as mais utilizadas, sendo, a primeira a que mais se destaca. Por isso, nos exemplos que surgirem mais à frente será utilizada predominantemente a clave de Sol.
O nome da clave vem da nota que é indicada pela mesma (nota de vermelho na figura abaixo). 

 
A clave de Sol dá a informação da nota correspondente à 2ª linha (as linhas contam-se de baixo para cima) ser um Sol. Na  clave  de  Dó  é  indicado,  pela  reentrância da curva/chaveta, que a nota Dó escreve-se na 3ª linha. Os dois pontos da clave de Fá indicam qual a linha que corresponde a um Fá.

Qual a utilidade de existirem claves diferentes ? O objetivo é que a maior parte das notas sejam inscritas em linhas de pauta e não em linhas suplementares, já que seria, neste caso, mais difíceis de ler. Assim, a clave de Sol usa-se para notas correspondentes a sons de médios a agudos, a clave de Dó para os médios e a de Fá para sons graves a médios.

Na   figura abaixo estão  representadas exatamente as mesmas notas em cada clave. É notória a diferença resultante da utilização de diferentes claves para escrever exatamente o mesmo trecho.

Abaixo, uma ilustração da relação entre as claves.


Na escrita de música (music score) para piano, utiliza-se um sistema constituído pela clave de Sol e de Fá.


As duas pautas correspondentes a cada clave estão separadas fisicamente, embora exista  uma  relação  entre  elas.  A  ligação  é  feita  pelo  Dó  central que corresponde ao que é escrito na linha suplementar imediatamente abaixo da 1ª linha de pauta da clave de Sol. Existem duas representações alternativas à já referida: o Dó pode ser escrito na linha suplementar imediatamente acima da 5ª linha da clave de Fá ou a meia distância entre a linha superior da clave de Fá e a inferior da clave de Sol, conforme figura abaixo:

 
Na denominação inglesa as designações clave de Sol, clave de Dó e clave de Fá correspondem a treble clef, alto clef e bass clef, respectivamente.
O nome das notas segue as letras do alfabeto começando no Lá.


Alternativamente, também se pode encontrar G clef, C clef ou F clef com a designação de treble clef, alto clef ou bass clef, respectivamente.
Existem apenas sete notas naturais (mais à frente serão apresentadas outras) - Dó, Ré, Mi, Fá, Sol, Lá, Si – que serão repetidas, tal como se tivéssemos uma linha fechada (… Lá, Si, Dó, Ré, …, Si, Dó, …). A gama de notas compreendidas entre o Dó e o Si dá- se o nome de oitava. Logo, a linha fechada é constituída por sequências adjacentes de oitavas.
Como distinguir, por exemplo, dois Dós que se encontram em oitavas diferentes e, por isso, têm localizações diferentes na pauta  tal como se pode ver na figura abaixo:





Através do número da oitava! Tal como já foi dito, cada grupo de sete notas consecutivas constitui uma oitava e cada uma terá um número associado. É o número da oitava que distingue duas notas com o mesmo nome mas localizações diferentes nas linhas/espaços da pauta.
O número das oitavas muda nos Dós correspondendo o número 3 ao Dó central (o da linha suplementar imediatamente abaixo da 1ª linha de pauta da clave de Sol). A contagem é crescente no sentido ascendente tal como a figura seguinte mostra.

Ritmo, tempo e compasso


O ritmo é o termo utilizado para expressar as relações temporais de elementos musicais. Cada nota tem associada uma certa duração que é representada por uma figura rítmica.
As principais figuras rítmicas são as que se apresentam na tabela 2.

As figuras estão representadas por ordem decrescente de duração.  Cada  figura rítmica tem o dobro da duração da presente na linha abaixo e metade da de cima.


Na coluna “fração” indica-se a fração da duração da figura rítmica relativamente à semibreve.
Se  numa  partitura  (staff)  aparecerem  duas  colcheias,  semicolcheias  ou  fusas seguidas,  poderão ser representadas com recurso a barras em vez de caudas.
Exemplo:




Elementos constituintes das figuras rítmicas


Anexado à figura rítmica pode existir um ponto, chamado ponto de aumentação, que aparece imediatamente à direita da figura. Pretende-se com o ponto de aumentação indicar que a figura passa a valer o que valia sem o ponto mais metade da sua duração. 

 Ponto de aumentação

Existe uma outra forma de prolongar a duração da nota, recorrendo-se a ligaduras de prolongação (slurs) que são representadas por um arco que indica quais as notas a serem ligadas, tal como se pode ver na figura abaixo:

Ligadura de prolongação

 Figura equivalente à ligadura de prolongação utilizando-se um ponto de aumentação
                                    

As figuras rítmicas vistas até este momento indicam a presença de som. Podem, no entanto, existir alturas em que se deseja ter silêncio numa música. A indicação de silêncio é representada pelas pausas cuja duração é equivalente à da figura rítmica com o mesmo nome. 

A diferença entre a pausa de semibreve e a pausa de mínima é que a primeira é escrita por baixo da 4ª e a de mínima por cima da 3ª linha.

Pausas

Como foi dito as figuras rítmicas indicam a duração relativa dos sons ou silêncios e não a duração efetiva. O valor real das figuras rítmicas é indicado pelo tempo. É frequente o tempo ser especificado por algo semelhante a -  - significando que num minuto conseguem-se “tocar” 72 semínimas. Outra forma de indicar o tempo é através de uma palavra (por exemplo: allegro, andante) que tem inerente uma gama de valores do número de vezes da unidade de tempo até perfazer 1 minuto.

Uma partitura encontra-se dividida em partes de igual duração: os compassos (time signature). A utilidade de dividir uma música por compassos é organizar os tempos de forma  a  facilitar  a  interpretação  da  peça.  O  compasso  dá  a  informação  sobre  a acentuação, isto é, quais os tempos fortes e os fracos. Regra geral, o primeiro tempo de cada compasso é forte.

Existem apenas dois tipos de compassos cuja diferença é a unidade de tempo: compassos simples e compostos. A unidade de tempo nos simples é a semínima enquanto que nos compostos é a semínima com ponto.
A divisão dos compassos faz-se por uma barra vertical fina desde a 1ª linha até à 5ª. Exemplificam-se de seguida um dos possíveis compassos para cada um dos tipos.


Existem três possibilidades de representar o compasso: por algarismos, por uma letra ou por um algarismo e uma figura rítmica. O código composto por algarismos é constituído por dois números tal como se se tratasse duma fração. O “numerador” indica quantas figuras rítmicas iguais à indicada pelo “denominador” perfazem um compasso. No “denominador” vem um número que indica a figura rítmica de referência da seguinte forma:


Logo, o composto 6/8 diz que a duração de cada compasso é equivalente à de 6 colcheias. O “C” serifado é uma notação alternativa a 4/4 significando, por isso, que a duração de cada compasso é a de 4 semínimas.


Exemplos de compassos simples


exemplos de compassos compostos


Equivalência de notações

Nem todos os compassos estão completos, por exemplo, no compasso quaternário (duração equivalente a 4 semínimas) pode existir um com duração de apenas duas semínimas. Isto só acontece quando uma música começa em anacrusa.
Em suma, uma música que começa em anacrusa caracteriza-se por ter o primeiro compasso incompleto assim como o último. O último tem a duração que falta ao primeiro para ficar completo. Mas, qual o interesse de começar em anacrusa?

Como já foi dito a divisão por compasso serve para especificar a acentuação, ou seja, quais os tempos fortes e fracos num compasso. Dado que o primeiro tempo de um compasso é forte, pode ser desejável começar por um fraco, logo inicia-se a música em anacrusa de forma a contornar esse problema.

Exemplo de entrada em anacrusa num compasso 6/8:


Existem alguns ritmos que não se conseguem escrever com as figuras até agora apresentadas. Assim surgem as quiálteras que são figuras irregulares, uma vez que não têm duração de fração inteira das já apresentadas.
As quiálteras mais utilizadas são a tercina (triplet) e a duína (duplet). A duína está para os compassos compostos assim como a tercina para os simples.
A indicação da presença duma tercina é efectuada pela inclusão do número 3 por cima ou por baixo das figuras rítmicas e opcionalmente um arco ou parênteses retos. Na duína é exatamente igual mas em vez de um 3 aparece um 2.


Quiláteras


A duração equivalente destas quiálteras é:


Duração equivalente da duína e da tercina


Alterações e Tonalidade

No início da postagem foram abordadas as notas naturais. Além destas existem outras resultantes de notas naturais afetadas por uma alteração.
As alterações possíveis encontram-se na tabela abaixo:





Na tabela são referidos tons e ½ tons. Mas afinal, o que é um tom ?

Tom é a unidade de medida de distância entre duas notas. Atente-se ao exemplo das teclas de um piano.




A distância entre duas teclas brancas adjacentes, existindo uma preta entre elas, é de 1 tom (tone), se não existir a tecla preta no meio então distam de ½ tom (semitom); a distância entre uma tecla preta a uma branca adjacente é de ½ tom.

A utilização da palavra subir e descer refere-se à escrita na partitura. As notas mais agudas são escritas mais acima do que as graves, logo subir significa que se vai obter uma nota mais aguda. Nas teclas do piano, subir significa andar para a direita e, descer (nota mais grave) para a esquerda.
Na figura acima, consegue-se reparar que Dó sustenido (sharp) é igual a Ré bemol (flat), Ré sustenido a Mi bemol, ...

Agora que já sabemos o que são sustenidos e bemóis e qual o seu significado, podemos falar um pouco sobre tonalidade (key signature). Uma das informações que dá a tonalidade é quais os bemóis ou sustenidos que vão estar por defeito em toda a música, isto é, as alterações fixas. Estas alterações são indicadas no início da música através da denominada armação de clave que é constituída pela clave, alterações e compasso (nesta mesma ordem). A vantagem da utilização de alterações fixas é a de permitir a não obrigatoriedade de inserir  um sustenido ou bemol em algumas notas em toda a música.

Exemplo de algumas armações de clave com alterações fixas:


Armação de clave com alterações fixas

Além   das   alterações   fixas   existem   também   alterações   ocasionais   que   se caracterizam por inserir um bemol ou sustenido antes duma determinada nota. A partir do momento dessa alteração e até ao final do compasso, todas as notas com o mesmo nome quer estejam na mesma oitava ou em diferentes, serão afetadas pela alteração. No compasso seguinte a alteração já não tem qualquer efeito.
Os bequadros (natural) têm a função de cancelar o efeito dos sustenidos ou bemóis. Dentro de um compasso a sua influência é igual à dos sustenidos ou bemóis.

Zona de efeito das  alterações


Outras notações existentes numa partitura

Por vezes numa partitura existe mudança de compasso, clave e/ou mudança de tonalidade (através mudança de alterações fixas).
Quando  a  mudança  de  compasso  acontece  na  mudança  de  linha,  existe  uma espécie de compasso vazio no final da linha para indicar que na próxima temos um compasso diferente. Além desta indicação, na linha do compasso diferente aparece a indicação do novo compasso.

Mudança de compasso

Na figura acima estão duas representações equivalentes para o mesmo compasso, a notação dentro de parênteses é redundante.
A mudança de tonalidade, por modificação das alterações fixas, é semelhante à mudança de compasso.


Mudança de alterações fixas (mudança de tonalidade)

Na mudança de clave, aparece uma clave de tamanho menor imediatamente antes da mudança.


Mudança de clave

O sinal de repetição (dois pontos + duas barras) que aparecem na fig. 26 servem para indicar que se deve repetir o trecho. No caso da fig. 26, não existiria qualquer diferença se a primeira barra de repetição fosse retirada porque, quando se encontra uma barra de repetição com a orientação da segunda deve-se voltar a repetir o trecho desde a última barra de repetição, com orientação igual à primeira se existir, ou desde o início.

Barras de repetição

Podem também existir repetições condicionadas, das quais a partitura da figura abaixo é um exemplo.  “1.” e “2.” indica que se deve tocar tudo até chegar ao compasso com o “1.”. Toca-se esse compasso e volta-se a repetir só que na repetição toca-se o compasso “2.” em detrimento do “1.”.




A figura acima também serve de exemplo de uma partitura onde existem duas vozes. Duas vozes significa, como a própria palavra sugere, duas melodias mais ou menos independentes. Uma das vozes tem as hastes para cima enquanto que a outra tem as hastes para baixo. As notas que aparecem sobrepostas na vertical terão de ser tocadas ao mesmo tempo. A entrada em anacrusa é constituída por uma semínima e uma pausa de semínima, se existisse apenas uma voz não seria necessário assinalar a pausa.
A escrita diferenciada de duas vozes tem o intuito de facilitar a interpretação da peça. Não é necessário existirem duas vozes separadas explicitamente para se ter de tocar mais do que uma nota ao mesmo tempo, basta existir mais do que uma nota com o mesmo alinhamento vertical.


A variação de volume e acentuação fazem parte da dinâmica. Normalmente as indicações de dinâmica aparecem em italiano.
Um crescendo indica aumento gradual de volume ao contrário de um decrescendo.
Por baixo de algumas notas pode aparecer um sinal “maior do que” indicando que essa nota é mais forte do que as outras, isto é, deve ser tocada com maior volume. A este sinal dá-se o nome de sinal de acentuação.



Dinâmica

f e ff significam forte e fortíssimo, respectivamente. Servem para indicar o volume relativo com que se toca cada uma das partes desde a ocorrência de uma destas letras.
Outras letras indicadoras de zonas homogêneas de volume são:


Existem   vários   tipos   de   ornamentos,   formas   de   decorar   uma   música, nomeadamente apogiaturas e mordentes. A sua interpretação difere um pouco com a época e autor (é caso para dizer “Cada tolo tem a sua mania!”). Duma forma geral, sem ser muito rigoroso, apogiatura é a inclusão duma nota antes da desejada com muito curta duração. A nota da apogiatura representa-se com dimensões menores do que as principais conforme figura abaixo.
Os mordentes são muito semelhantes mas são constituídos por duas ou mais notas antes da principal. Tal como nas apogiaturas escrevem-se com dimensões menores, conforme figura abaixo.

Ornamentos

Na pauta da esquerda da figura acima, estão uns pontos por baixo das figuras rítmicas. Não se tratam de pontos de aumentação pois, esses são escritos à direita das figuras e não por baixo. Os pontos por baixo, ou por cima, das figuras significam que deve ser tocada em staccato. Tocar em staccato equivale a retirar alguma duração às figuras rítmicas. Toca-se a tempo mas reduz-se a sua duração com a introdução de silêncio. Cria-se assim a sensação de música um pouco saltitante ou picada.
O oposto de staccato é o legato, ou ligadura de expressão (tie), que obriga a prolongar ao máximo cada figura. É representada por um arco por baixo ou por cima das notas, figura abaixo.

Ligaduras de expressão


Instrumentos transpositores

Apenas a título indicativo é que se aborda os instrumentos transpositores. Instrumentos transpositores são instrumentos cuja escrita não corresponde à nota efetivamente ouvida.
O objetivo de se utilizar escrita de instrumentos transpositores é para facilitar a escrita, por exemplo, para evitar ter muitas linhas suplementares, ter muitos sustenidos e bemóis que só iriam dificultar a leitura.
Por exemplo, na guitarra a nota que se ouve corresponde a uma oitava abaixo da que é escrita, chamando-se por isso instrumento transpositor à oitava. No trompete, a nota ouvida soa 1 tom abaixo da escrita.

Transposição da guitarra


  Transposição do trompete


Exemplo de outros instrumentos transpositores é o caso do saxofone, clarinete, flauta de bisel, violino, violoncelo e do contrabaixo.

Bem pessoal, por hoje é só. Posteriormente adicionarei mais informações para o aprendizado na leitura de partituras.

Um abraço!

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